ESTAÇÕES

Mistura poesia e imagens, numa linha melódica prevista ou imprevista.

PROSA

Momentos inspirados de cotidianos juvenis, adultos ou maduros.

POESIA

Toda poesia escrita ao longo dos dias...

PRODUTOS (em construção)

Delicadezas para curtir ou presentear.

Gastando o tempo num banco de rua…

Ausculto o sótão das entranhas para ver no espelho a tentativa de fugir do encontro com Machado de Assis. E assim, frente a frente com o medo, acho que chegou a hora de abrir o baú. O susto me faz olhar pelo buraco da fechadura. Sem saber ainda ao certo se quero mergulhar no escuro, olho. Por que o medo? De ser uma repetição de emoções já escritas? Do sequestro de emoções por palavras já usadas? Do roubo de palavras pueris, abandonadas no baú? Ou de não encontrar nada? Porque o amor mais profundo, mais intenso e absolutamente incondicional, eu guardei no baú. Amar as palavras dessa forma tão absoluta poderia me deixar nua. Nua onde toda nudez deve ser enterrada e esquecida... no jardim das flores, dos perfumes e das emoções… Me joguei nas arenas e entre lutas e feridas, o sangue e cicatrizes, sou feliz! Hoje volto ao jardim.

Estações...

Uma construção de encontros sazonais, paixões imprevisíveis e de amores densos,

que pesam na despedida e ocupam espaços poéticos.

Tem sido uma escrita viva, que sofre transformações, alegrias, decepções, noites de debruçadas no luar e nuvens, iluminadas ou chumbo.

PRIMAVERA


VERÃO


OUTONO

INVERNO


PROSA COM MUITA POESIA

O HOMEM QUE ME VESTE

Estou criando um molde para que eu possa viver nele? Com limites e sonhos? Uma imagem se confunde no espelho e espero quieto... Mas, as teclas não! Necessitam do toque, tão íntimo... Os segundos se distraem na periferia do desejo, onde só há silêncio… por que estou precisando criar um personagem para eu poder sentir o que está me doendo? Sua roupa é estreita e eu, obeso, insisto em me vestir dele. Mas, eu quero que todo espaço inútil da minha roupa caiba no corpo esguio e se cole a ele. E a imagem vai se tornando tão real que faço da minha criação uma invenção variável de mim mesmo. Não posso continuar vivendo este sentimento doente... será? Porque um dia eu posso acordar sozinho e ver que sempre fui somente uma imagem idealizada e só.

É um homem alto... tem que ser alto para que eu possa me guardar nele! Queria-o frágil e fácil, embora a necessidade indicasse que ele precisava ser ágil e representativo...

Não! Não! Ele tem que ser possessivo, violento e passional! Permaneço... toda escuridão explode nesse homem novo que pode implodir-se para que eu não morra e possa amar de novo, novo e sem o peso da liberdade de um homem sincero que sou, eu fui ou serei. E em cada um destes momentos houve uma sinceridade única que me deixou nu com a vergonha, ousadia, pretensão, vaidade que tenho, tive ou terei. A escuridão da desigualdade da entrega pode me levar ao abismo da solidão e tudo que serei, enfim, será o que sou.

Mas, preciso … até amanhã, por todos os amanhãs, da crença de que o homem não vive sua solidão como não percebe a proximidade da morte. Hoje acontece a primeira distância e a primeira dor, antigas feridas cicatrizadas e reabertas… vou precisar criar um mundo paralelo para poder continuar amando! Se tirar a tua alegria, ainda que para isto eu tenha que viver sem alegria, não que a ausência da alegria se imponha... simplesmente não acontece. Os lábios se fecham astênicos e nenhum músculo arrisca-se, como se o sorriso fosse uma grande dificuldade. Estas palavras estão me ferindo quando o que eu quero é despojar-me da dor... Preciso deste homem possessivo esmurrando todas as portas e quebrando as louças, para que eu possa ser suave e continuar acreditando que não minto. Será que o sonho está por um fio? Estará a sempritude do amor à beira do ponto final?

Acho que vou precisar contar toda a verdade para que o homem que precisa ser parido e abandonado saiba exatamente as linhas do seu destino. A verdade ... é simples, como qualquer resíduo de vida. Me entrego a um amor e ele passa a ser minha alegria, minha certeza, minha dúvida, meu ar ... continuo sem saber por que tudo se transforma nesta forma tão semelhante à minha forma… Pronto! Acabou ... o sono chegou!

CONTOS ... e desCONTOS

ERA ELA!

Claudia. Era um nome. Mais que um nome, havia. Sempre tive uma memória péssima para guardar nomes, embora não rostos, e eram tantos alunos! Era tímida, sentava-se quase sempre ao lado da parede, no centro. Não, não era bonita, pelo contrário, o cabelo alisado, assemelhava-se a uma vassoura e o rosto de traços pouco, muito pouco expressivos. Apenas a boca era bem delineada, o corpo, algo quadrado, sem formas, nenhuma elevação que chamasse atenção, mas era apenas uma adolescente.

Nova ainda e muito pouco experiente na profissão, eu gostava dos alunos mais vivos, que olhavam-me questionando, desafiando-me. Claudia não era viva. Nada parecia importá-la e isto acabou por chamar minha atenção. Certa vez consegui conversar um pouco e questionei o futuro, mas nada sabia, talvez letras ou medicina, quem sabe arquitetura. Parecia-me sempre muito cansada, um cansaço muito mais mental que físico, como se faltasse algo vital.

Dois anos depois encontrei-a numa festinha da faculdade, mudara! Cursava o terceiro ano secundário, namorava um americano e sorria! Os olhos tornaram-se mais claros, o corpo emagrecido somado às roupas mais atraentes, transmitiam um misto de juventude e maturidade quase de mulher. Trocamos algumas palavras de pouca importância e, assim, soube que resolvera mudar para uma cidade maior e tentaria o vestibular para comunicação.

Um ano depois avistei-a de longe, ao descer, auxiliada por um chofer uniformizado, de uma mercedes... quase não a reconheci! Tornara-se bela, muito atraente, brilhavam ouro e diamantes pelas mãos, braços e pescoço. Mais tarde soube, por acaso, que tornara-se amante de um dos mais bem sucedidos industriais de nossa cidade. Não passou no vestibular, não trabalhava, morava no Rio de Janeiro, tinha um enorme apartamento, dinheiro e muitas joias. Sua família estava mais bem acomodada, seus irmãos menores frequentavam colégios particulares e comiam bem. Sua mãe engordara e trabalhava menos, mas, doente, andava quase sempre cabisbaixa.

Cinco anos se passaram e nunca mais a encontrara. Continuava com dinheiro, menos sorridente e mais envelhecida, um pouco menos altiva. Se tornou prostituta da mais famosa casa de São Paulo.

Tempo nublado... lia um jornal e uma notícia me chamou atenção: CLAU, A FAMOSA MANEQUIM INTERNACIONAL APRESENTA HOJE À COLEÇÃO PRIMAVERA-VERÃO. Era Claudia? Minha ex-aluna, a ex-amante do industrial, ex-prostituta da D. Mimosa, agora, dez anos depois, manequim! Pela foto, parecia bem, alegre, sorrindo para sua última conquista amorosa: um jovem artista plástico de 28 anos.

Mais alguns meses, encontrei-a. Estava sem pintura, cabelos muito curtos e molhados, vestia jeans e nenhuma jóia. Trocamos um rápido cumprimento. Seus olhos estavam claros, limpos, quase conscientes. Nunca mais ouvi falar em Clau. Quinze anos depois soubera-a casada, com dois filhos e feliz.

Encontrei-a por volta dos quarenta anos, mantendo a beleza

e vitalidade dos trinta, novamente preenchida de brilhos, roupas caríssimas, ao lado de um senhor de cabelos brancos, que parecia querer fazê-la sentir-se uma rainha.

Passaram-se outros tantos cinco anos até que soubesse notícias dela, novamente pelos jornais, primeira página de quase todos, numa foto enorme, cabelos, como sempre curtos, roupas mais discretas em desalinho, seu corpo sobre o chão, algo disforme e envolvido de sangue, sob a enorme legenda: QUADRILHA DE CONTRABANDISTAS DESMASCARADA. O "CHEFE” TENTOU A FUGA QUANDO FOI BALEADA PELOS POLICIAIS.



ENGANO

Num dia pouco comum, que se repete todos os anos, D. Elionor fazia suas compras natalinas. Copacabana borbulhava gente, gente de todos os cantos, nas ruas, nas escadas, gente comprando, gente roubando, gente vendendo e Elionor encantada. As pessoas não se cansavam, mas Elionor não queria perder o capítulo da novela das sete, por isto pulou às pressas para dentro do ônibus que a levaria até a Cinelândia. Depois de custosamente ultrapassar a roleta, conseguiu em meio aos embrulhos, sentar-se para o longo percurso, entre empurrões e com licenças. Extasiada, Elionor vinha pensando nos presentes que comprara... como ele iria gostar... e deixou rolar os pensamentos entre as luzes e freadas.

De repente, Elionor ao olhar distraidamente para frente, vê na placa acima do espelho do motorista: 340 Del Castilho-Praça 15. Mas não é possível! Quase falou alto. Eu tinha certeza de que era o 464... como fui me enganar assim! E agora, o que faço? Mas... já estamos na rua Antônio Carlos? Ai que susto! Estas árvores, todas iguais, me confundiram... ainda é Botafogo! Mas também não sei por que estou sem óculos! Acho que vou descer ... melhor não. Posso ir até a praça 15 e pegar as barcas.

Nesta hora o ônibus parou num ponto e alguns passageiros desceram. Aí, D. Elionor decidiu-se e saiu às pressas como quem estava dormindo e quase passa do ponto. Mal acaba de descer vê passar na sua frente a lateral do ônibus com o número 464.

Droga! Eu estava no ônibus certo! Nas também, como é possível o ônibus ter um número dentro e outro diferente fora? O jeito é esperar... Pôxa! Está tão escuro aqui... eu também tinha que descer neste ponto! E se me assaltarem? Deixe de bobagem... Assim, D. Elionor esperou longos 15 minutos pelo 464 para que a levasse até a Cinelândia. E nem por um segundo pensou que Del Castilho fica na zona norte e que como ela estava na zona sul, o ônibus não poderia estar errado.


SÓ QUEM AMA MATA!

contos de encontros

CONTO I

Os tempos de guerrilha haviam passado... Foi um tempo de acreditar que a força era possível para arrancar das mãos do poder a opressão e fragmentá-la de modo que jamais pudesse acalentar a ignorância através da escravidão da inocência. Eu, eu e todos que vislumbramos a possibilidade de matar a fome e a ignorância estávamos certos de que aquela era a hora e que as armas era a forma certa. Hoje temos consciência de que a hora talvez fosse certa..., mas para a forma... não com o nosso povo, que mistura indolência do índio com submissão do negro e o insistente doutrinamento do poder branco em suprimir toda forma de consciência através

das promessas de dias melhores.

Aqui estamos, companheiros, uns com os cabelos já brancos, mas ainda acreditando que o homem não pode ser um canal obscuro, uma banalidade parida da ignorância ou domesticável para o cabresto. Outros, como eu, que passou por tempos ruins, que viram a boca da morte beijar a face como uma mãe, que pendurados no pau de arara, quase fraquejaram, mas, ainda que com o corpo em flagelo, a unhas arrancadas, os dentes arrancados, sobreviveram.

E ainda vocês, mais jovens, que sem marcas físicas, trazem as marcas dos dias seguintes: a alienação. Sabemos que foi preciso um grande esforço para não desacreditar nas nossas ideias... e vocês são a nossa força para continuar esta luta.

0 auditório não estava cheio naquela noite... o partido parecia estar perdendo a força... havia muitos dissidentes e poucos procuravam inscrever-se. O grupo, um pouco mais de 200 pessoas, dispersou-se rapidamente, sob comentários os mais variados:

- Esse blá, blá, blá do Luís já está torrando. Será que ele não vê que é necessário renovar ideias? Acho que o Juca estaria melhor na presidência do partido.

- Eu não acho. Você é novo... ele tem experiência, passou por tantos momentos decisivos da nossa História, continua trabalhando naquela oficina como se cada peça que limpa ou cada motor que abre fosse um pão que iria alimentar cem famílias. Ele é um grande líder... Sabe, quando ele era um rapaz como você.

- Você já me contou esta história umas trezentas vezes! Você não consegue enxergar nada além do rosto dele, das palavras dele, ele, ele... pô acorda!

Apenas três pessoas ainda permaneceram sentados em volta daquela mesa que, em outros tempos, eram tão minúsculas para abrigar tantas vozes e o pipocar das ideias. Luís Brandão (ex-soldado Brandão), Lúcia da Silva e José Antônio Matos:

- Sabe, companheiros, algo não está bem...

José e Lúcia, quase numa só voz: que nada Luís... você continua o grande mestre de sempre!

- As linhas da imortalidade de uma ideia são tão tênues tenho dificuldade de percebê-las... Toda base ideológica repousa sobre a efemeridade, mas, é necessário que os pilares sejam elásticos sem serem corruptos.

CONTO II

Era um corpo estendido... derramado sobre os lençóis, sem atos. Não era uma mulher feia, talvez equivocada ... os cabelos em desalinho, algo ondulados e negros, espalhavam-se sem que uma brisa sequer viesse incomodá-los. Os olhos não brilhavam, nem os dentes brancos demonstravam qualquer desejo de aportar a janela. Tinha um vazio explícito sem ser evidente, interior, parecia uma carcaça. Apenas uma energia fotografava incessantemente seus neurônios desesperados e exaustos, naquela torrente de pensamentos repetitivos... pensamentos de mulher abandonada, ou que abandonou ou que morreu ou matou. As mãos longas, unhas bem cuidadas, esmaltadas num tom suave, sustentavam um cigarro esquecido, as cinzas espalhadas sem nenhum respeito. O cheiro forte de incenso parecia materializar o ópio que não havia em seu corpo. Uma fotografia em branco e negro, que escurecesse a dureza de seus traços originalmente suaves, talvez fosse perfeita em demonstrar um corpo belo, de formas quase geométricas . . . poderia ser uma foto premiada.

As letras daquela notícia de primeira página pareciam ter fugido do papel... estavam impressas no deu cérebro: MÉDICO PRESO, AO TENTAR FUGIR APÓS DENUNCIA DE MORTE DE PACIENTE EM TENTATIVA DE ABORTO. Aquele homem de cabelos fartos e lisos, ar altivo, sorriso franco, olhos limpos e seguros, agora era a cara do desespero, era seu pai... Como associar aquelas imagens tão divergentes? Como podia ele estar ali? Onde estavam todas as honras e elogios à sua ética intocável, à sua habilidade imbatível, ao seu discurso encantador, que faziam todos os clientes sentirem-se bem? E tudo que sou? Sou produto de seus ensinamentos corretos, todos os livros que ele comprou para que eu fosse, apenas, a melhor médica, técnica e humana... "filha, um médico é um instrumento de vida, a vida precisa ser preservada, em sua quantidade e qualidade". E aqueles dias de prática hospitalar, cheios de paciência e entusiasmo para ensinar, ensinar sempre aquilo que fosse mais correto dentro dos conceitos científicos mais atualizados... “você pode fazer uma infinidade de atos cuidadosos, que vão somar uma técnica cirúrgica quase perfeita, isto te dará segurança e ainda sobrará atenção para os imprevistos... não se esqueça de sorrir, sempre, mesmo que algum sentimento de desalento te corroa. Nesses momentos é uma outra vida que importa...” Eu sempre achei aqueles conceitos românticos, impossíveis de serem praticados na sua plenitude, principalmente porque convivia com muitos outros colegas, uns muito técnicos, outros ignorantes, outros que não tinham prazer na cirurgia e achavam deprimente ter que cortar o corpo. Mas, ele era sempre tão correto, educado, sorridente, amante da ciência e do estudo! Pelo menos pela manhã, dentro do hospital municipal, todos queriam ser atendidos por ele. Já recebera não sei quantas condecorações ... agora fica mais fácil explicar. À tarde, ir para o seu consultório era uma rotina e sempre pensei que fossem apenas aquelas três salas, tão bem cuidadas e arejadas por uma brisa perfumada... Não! Era apenas a fachada! As salas se comunicavam com um prédio anexo, uma clínica ginecológica de qual, vez por outra ouvia comentários: “aqueles sim, devem estar nadando em dinheiro... só mesmo fazendo abortos!” Certa vez perguntei para ele se conhecia os médicos que trabalhavam naquela clínica, afinal tão próxima do seu consultário... "não, querida, sabe, há um certo mistério por ali, nem sei quem são os médicos, dizem que por trás de simples consultas ginecológicas, fazem aborto e salpingectomia. Não dê importância, todas as profissões têm seus vilões.”

- Pai, o senhor, realmente é contra o aborto? Vi seu rosto congestionar-se, achei que era de raiva... certamente era medo ou vergonha.

- Por que essa pergunta? Tantos anos tenho tentado dar a você a melhor formação como pessoa e profissional. Somos religiosos e, você bem sabe a posição de igreja...

- Não pai, não falo do aspecto religioso ou ético profissional, quero saber sua opinião filosófica. Você sempre tem explicações racionais, revolta-se com a fome e a carência de qualidade de vida nas populações pobres, emociona-se com esta mulheres que parecem não ter outra alternativa de vida senão parir...

- Filha, isso é um problema social e político. Não nos cabe decidir sobre a vida. Existem meios de evitar a gravidez, e é esta nossa função: orientar. Eu... sou contra...

Contra, contra... as palavras ecoavam em meu cérebro numa tortura desesperada... o telefone não parava de tocar, mas ela não ouvia. Sentia-se

só como nunca havia sentido antes... A campainha de porta da frente tocava insistentemente, mas nada sensibilizou seu ouvido. Tudo uma farsa! Por quê???? Dinheiro? De certo. " Nasci pobre, tive que trabalhar duro para conseguir fazer faculdade... mas você não vai precisar disso, querida... sabe, sua mãe nos deixou cedo demais...era um tempo em que quase não havia o que fazer com quem tinha câncer e, pouco, muito pouco pude fazer por ela. Foi um tempo em que quase abandonei tudo... ainda não tinha a fama de hoje e o dinheiro quase não dava para comprar o remédio que, talvez, pudesse dar um pouco mais de tempo à sua mãe.” Deve ter sido nesta época que ele se tornou...

As lágrimas, ausentes até então, lançaram-se furiosamente sobre aquela face imóvel, desfazendo a máscara pétrea. Os movimentos ficaram bruscos e, numa convulsão de quem pari um filho, levantou-se... ficou assim, no meio do quarto, as mãos cerradas e, todos os gritos possíveis permaneciam amontoados na garganta.

- Aborteiro! Aborteiro! É isto que você é! Você podia ser garçom, não faria diferença, eu não ia te amar menos, mas com certeza, nunca iria te odiar... Que faço destes 30 anos de alegrias, de amor. AMOR? Você sempre disse que eu me parecia com você... posso saber como pareço? Será que também tenho uma vida escondida, marginal? não... não tenho. Acreditei em você...nesse seu discurso bonito sobre honestidade e sinceridade... Muitas vezes tive problemas com as pessoas por não conseguir mentir, porque queria ser igual a você: transparente. Não disse não quando às vezes sabia que era a melhor palavra para dizer... mas, ia mentir? Até omitir sempre foi tão confuso... Quando perdi a virgindade, me senti mal porque não queria falar para você. Foi algo tão bonito que queria só para mim, não consegui dormir direito com medo de você perguntar... será que eu ia conseguir mentir? Depois passou. Você também nunca perguntou. Eu não compreendo!

O corredor parecia não ter fim... era numa cela especial ... o coração disparou e o suor escorria pelas mãos. Os olhos verdes tinham um brilho leve e os lábios estavam relaxados, insinuando algum sorriso. A porta abriu-se e lá estava um pai velho, com uma roupa simples, em desalinho... tinha emagrecido alguns quilos e a barba ... era a única coisa realmente nova. Estava cabisbaixo e assim se manteve, faltou-lhe coragem, a coragem era sua virtude mais admirável... A filha nova aproximou-se lento, deslizou as mãos trêmulas sobre os cabelos que se tornaram brancos muito rápido. Beijou-lhe a fronte.

- Vamos pai, você vai poder aguardar o julgamento em casa.

Entre a morte de um sonho e a realidade de uma vida, emaranha-se o amor.


ÁGUA MOLHANDO ÁGUA

Devia ser enorme, mas aos meus olhos crescidos era apenas um pequeno e raso tanque para gansos. A água estava verde. Marcos ainda não fizera 3 anos, não era precoce, nem orgulho dos pais pela inteligência. Usava fraldas e falava apenas mama, papa, ti e fovo. Era vivo! Vivo e encantado, forte e dócil. Gostava de água, não de bebê-la, mas de admirá-la, tocar sua transparente fluidez, sentir o leve arrepio de frio. Puxa-me pela mão, aponta para o mundo, quer água...

O tanque tem uma pequena margem de cimento áspero. Recosto-me no murete repleto de trepadeiras amarelas, apenas absorta, absorvida pelo encantamento de Marcos. Não há medo, sei que não cairá na água... olho-o à margem de seu enorme lago! Pouco antes, correu até a torneira e abriu-a. No chão havia, meio a folhas e galhos secos, duas ou três mangueiras. Pegou uma para soltá-la em seguida. Olhou um pouco além e correu até uma outra, isolada, mas da qual saia... seus olhos brilharam, olhou-me sorrindo... também eu sorri.

Sei que por vezes molha os pés, respinga a roupa. Isto não o fará doente, mas por certo a negação ao prazer, e seu prazer é tão simples...vê a água saindo da mangueira e caindo no lago, acompanha o ato da água molhando a água.

Às vezes parece-me que perde o equilíbrio e ainda assim deixo-me quieta, sorrindo, amando-o. Depois, quanto não sei, um tempo depois, canso-me de olhar e chamo para irmos. Resmunga, faz que chora e esconde os olhos com as mãozinhas. Abraço-o e ao suspendê-lo do chão já não reclama, é dócil. Corro com o vento com Marcos no colo.

PONTOS OBSCUROS ...

poesia na década de 80

Existem laços e nos.

Pelo caminho, os laços se desfazem e os nos se estreitam.


Poesia é um fragmento, o mais suave…

nem sempre o mais certo.

Um fragmento dentro do mundo, transcendendo as muralhas.


NA MESA DO BAR

Um pequeno fio ... pavio apagado que se senta à mesa para sonhar, comer e beber o vinho verde dos sentidos. Para e aspira a fumaça colorida... viaja para beber toda água do mar.

Pequena chama, dança manso, tanto!

Acalma-se ereta e cresce, preenche o vazio negro do corpo debruçado na vida, percorre as vias virgens do segredo e descobre aceso um tempo ...



FARSA

Farsa disforme

esconde, não dorme.

Tem sede de não sei onde!

Tem fome ... disfarça!

Ponte devassa, santa esperta, espeta!

ponto ridículo...

ter fim é apenas um círculo.

UMA EMOÇÃO

... o reencontro foi à tarde

muito antes que tarde

muito depois que ontem

rápido e belo,

feito sol no dia ...


CARIOCA, TERNO E GRAVATA

Que libertarás?

Teus anseios?

Tua pressa?

Não verás nada!

Ou tua ousadia?

Que libertarás

Nesta espera longa

Nesta corrida brusca,

afiando a faca

na ponta d'água

Abre a porta e sente

o hálito seco da poeira

Ó, grande guerreiro,

Que libertaras?

PROFUNDO ENCANTO

Um encanto supérfluo distraindo deuses,

entranhando o ato de contemplar.

Não tem boca e sussurra ao ouvido

pequenas bobagens de amante

Não tem olhos, nem mãos

nem corpo ... ainda assim seduz!

Tem limites nítidos,

Uma face oculta. Uma face luz.

As nuvens, em festa, passam apressadas ...

E depois que todas se vão, tornar-se um ponto

uma gota branca, um encanto profundo

subtraindo palavras

irritando a razão

elevando as mãos dos monges

iludindo as moças da janela.

Uma cigana ousadia

Passeando o corpo, estremecendo as reticências ...




ECLÍPSE

Face branda de quem vem de férias...

encontro os olhos adocicados, cor de mel.

E fico dentro desta timidez provinciana,

a emitir olhares arredios, ardidos de querer.

O coração, acostumado à distância, já não dispara.

O corpo, prisioneiro da fantasia,

movimenta-se de modo mais suave

buscando acomodar-se nesse sonho

desmedido e solitário.

As mãos, tocam a maior proximidade

um lápis, que seja ...

envolve a forma, apaixonada,

e na escuridão do eclipse

todas as cores transbordam.


CONTRASTE

Nua ... por inteiro no espelho ... fixo olhos

e descubro-os cor de mel.

Me ocorre a beleza ... o belo é agradável.

Talvez o belo seja um deserto dentro de um oásis

e o feio, apenas um oásis.

Assim, mais fácil amar o belo.

A beleza é, mobiliza-se estaticamente.

O feio desperta algo de mistério ...

no fim, há terra para todos os pés.

Continuo nua, parte quer cobrir-se,

mas algo impede e estremece a nudez... a tua distância.

Brasil 85

O céu está escuro ... troveja,

mas ainda vejo 23 estrelas.

O jardim está inundado ... chove,

os canaviais dobram-se ao vento,

mas, ainda com raízes firmes.

Na janela uma moça negra, chora

e com olhos arregalados,

festeja o sol amarelando um novo dia.

Quero mais é dançar na chuva!

Ver o céu azul

um jardim verde

a janela branca

e o sol muito amarelo!

EM ABERTO

O sonho e a realidade

passeiam de mãos dadas,

nus e descalços ...

Em chão de espinhos ou tapete de flores.

E o limite exato, entre o sonho e a realidade

é a mão ...

Mãos entrelaçadas em laço tão estreito

que desfaz a nitidez do limite.


ENCONTRO MARCADO

Estive perto, quase a roçar na realidade, mas foi o medo que me deteve. E fico a olhar o encontro da janela, entre cores e nuances que se chocam com o cálido azul. Tive medo da realidade, onde eu não posso prever nada, não posso acontecer nada... então fugi... fugi da oportunidade única de encontro. Como poderia ir, se ao menos tenho certeza de que me manteria vestida? Medo de entre tanta festa eu me desnudasse a você não poderia arriscar-me Meu sonho é tão real, quase uma ventania e amor aflora, explodindo em ardentes alegrias. Prefiro a solidão. Prefiro não interromper este fluxo patético. Prefiro desnudar-me as entranhas do porquê e sorrir, quase calada a ver tamanha discrição numa paixão tão ébria e tão lúcida, porque sustenta este sentimento de alma vaga e que me acalenta antes de dormir. Como posso ousar acordar-me deste conto? Não. Prefiro o martini suave a acompanhar-me nessas palavras esfumaçadas de incenso e cigarro. Posso encontrar-te no fundo da mais negra noite, posso amar-te até sem fôlego, exalar doces perfumes. Posso até confundir-me nestas palavras avulsas só para sentir tudo e deixar todos assim, antecipados de minha ausência. Não quero encontrar-te nunca, basta amar-te, ainda que de forma mítica e esotérica, porque apenas eu preciso saber e isso avoluma este estado solitário de liberdade.



CASA VAZIA

Casa vazia ... Noite perdida!

luar sem carinho ...

Casa vazia, vazia!

Porta ... portão, chegada em vão,

luta vencida!

Espero ... Casa vazia.

Eco atroz! Grito da minha voz vencida.

E espero olhando a porta,

sentada no chão, já é quase insuportável

cada abrir do portão ...

Casa vazia?

Janela aberta luar, noite fria,

cansaço, olhar alerta.

E estou no fim ...

Olho o chão, as paredes, o céu ...

Enfim o sol!



Saio ...

E depois, como quem busca no vento, sento.

Invento imagens na serração

fantasmas azuis, fantasmas alegres

fantasmas velhos cheirando a neném.

E fico a imaginar aquela criança ... santa do amor

se não fosse fugaz

não teria sido santa, só humana.

Teria sido um menino rico ...

Ou uma mulher vadia ou um homem velho

Teria cabelos ou olhos negros? Talvez azuis ...

Se menino, seria belo.

Se menina, seria quieta.

Mas já não venta. O dia é claro e o céu azul ...

Invento nuvens... nuvens azuis, nuvens alegres.

E percebo o rosto branco

De sorriso fácil

De olhos negros

A gente só se olha.




Uma história encantada ou um conto de fada

Houve um dia um deserto. E sob o sol e o vento, nasceu uma rosa azul. Muitos anos depois, um príncipe cansado, encantado de sol e seco de areia - mas, para que tanta areia no horizonte? - percebeu uma haste, muito longa, ao cujo final ou início havia uma rosa. Era como se o próprio céu houvesse explodido ali! Seus olhos fixos, suas pernas duras, sua boca seca, aberta, sob a chuva ...

Dias depois, descobriu-se ainda ali, parado, não sentia mais frio, não havia fome. O sol acariciava-o, o vento acalentava-o. Era somente uma rosa, azul, perdida no meio da areia. Mas não era seca! Sobre suas pétalas percebeu gotas ... Orvalho? Quem sabe?

Dizem que nunca mais se ouviu falar do príncipe... No deserto, só areia e sol. O real é que muito tempo depois, havia nalgum lugar, um jardim. Um jardim no meio do deserto. Um jardim de rosas azuis.

MALA COISA

Mala feita ...

coisa tonta!

Se não são todas as coisas assim,

todas divididas

metade das dúzias

uma dúzia de dúvidas.

Telefone para mim,

TV para você.

Metade de mim fica,

metade de você vai.

Mala tonta!

Coisa feita.

MEDO

Não é o medo da morte que faz trêmulas as pernas

Nem eclodir o grito ou náusea e opressão.

É o mistério que liga o corpo à vida: a perda.

Não há maior ausência que a morte.

Esta sombra inequívoca

que nem em sonho adormece;

que esbarra, assusta, se esconde.

E que um dia, certo, abraça ...

Leva os cabelos brancos, o sorriso de criança

o afeto de amigo, a esperança do reencontro ...

E são estas ausências cicatrizadas

que tiram o sono e a fome,

fazem esperar o próximo corte.

AMIGO

Infinito face de Sol

olhar intenso de luar

doce mão de criança em afago

quieto, encanto de ser humano

corpo marcado de vida, vivo.

Corpo macio, suave de amar …

forte e exato, sem a farsa de macho

Doce amigo

Me ocupou todos os cantos,

infinito por encanto.

E por enquanto

sobrevivo desse prazer

e que o mais querer

não crie espaços, só laços.


VAZIO

Há um amor fácil, um amor dócil

O que fazer deste sonho avesso?

Desse silêncio denso?

Sombras travessas atravessam a noite,

escuto suas alegrias dissimuladas,

embriagadas, sutis ...

Adormeço e sonho às pressas com o medo,

acordo inteira debruçada em nada.


DOCES ENCANTOS

Dois pontos negros a me embriagar...

Lábios ciganos a me incendiar, doces enganos

Gosto cigano, quanto encanto!

Vou dormir apaixonada

Sem desnudar nada.

Rima doce você!

FIRME PROPÓSITO

Acordo teu sono denso

No toque mais suave.

E ainda que resistas,

visito o desenho do teu corpo…

Sem pressa…

para que, afinal, percebas meus olhos nus,

me envolvas com sua forma única

E me beijes a face, os lábios,

os olhos ... até adormecê-los.

CARA MÚLTIPLA


Uma face, esquecimento

outra, ousadia.

Um lábio, superior outro, familiar.

A mão direita, casual, a esquerda, ama.

Um olhar, procura... a voz, disfarça.

A força obriga, o cabelo seduz.

Os primeiros são dias, os momentos fugazes

A solidão, atraente.

Você, ócio.



REFERÊNCIAS

Todos os livros abertos

toda certeza na mesa, na mesma

Um olhar a me olhar ...

O retrato é o mesmo.

Nós perdemos todo o encanto

todo medo de perder

Dois sobreviventes.

Dois andaimes de pernas bambas,

de tábuas retas, paralelas,

dois desvios padrões,

um negativo e outro positivo.



COMPANHIA

Se me desnudas as formas mais íntimas

e se me encontras adormecida

ao sabor das fantasias, não durmas logo.

Se penetras o mais profundo poço

e me vês sumida, em sonhos amordaçados,

não durmas já.

Se me acaricias a face, tocas meu ventre crescido,

beija-me os lábios selados, não durmas só.


ESTAS FACES

Amo esta essência introspecta e reticente.

Amo estes gestos ... displicentes e ferozes.

Amo assim, de forma descabida.

Porque você é, explicitamente,

O que só consigo ser nas profundezas ...

Amo sua profunda obscuridade

que é minha forma revelada.

Enfim, sinto como se fosse

Eu, sua face interna e você, a minha.



PÉS ...

cansados

molhados

calosos

calados

calçados

PÉS no chão


PÉS ...

viajantes

amantes

fortes

sujos

doentes

PÉS firmes

UM DIA OS PÉS DESCANSAM.


Esta coisa é ...

Fica passeando-me as linhas, alvoroçando-me a pele.

A boca seca, enquanto os pensamentos loucos se esbarram, fica entreaberta,

quase numa aproximação real.

Os olhos viajam pelos canaviais

e a terra virgem estremece a imagem do teu rosto

e teus olhos são duas gotas de mar enluarado

ou dois hábitos íntimos

... PAIXÃO


POESIA

Nem só pura fantasia

É a mansidão das coisas ousadas

ou a ousadia das coisas mansas.

É qualquer coisa de beleza,

assim de transa de amor, de ficar deitada

ouvindo Elis, Chopin ou Mick Jagger.

A luz acesa, muito acesa, desafiando a noite ...

num silêncio quase deserto.

POEMA DA ÚLTIMA VIGILIA

Só me restaria adormecer ...

mas, uma alegria endógena

excita os últimos momentos de vigília.

O corpo lânguido, que só deseja da carne

o abraço macio.

A mão já não obedece,

parte do corpo já dorme

as palavras se arrastam

e os sentidos, dormentes ...

Apenas uma última lucidez: poesia

E acredito que só fantasmas

acalentam o pensamento.



PONTOS OBSCUROS

Gostaria de poder te dar paz mais ainda, segurança, certezas a estes teus ouvidos distantes.

E, por mais que teus olhos brilhem à minha eloquência, não são mais que pontos obscuros que tento desnudar.

E tantas vezes meus olhos são omissos, disfarçam o cansaço na austeridade.

Queria te expor, com doçura, a magia do conhecimento. Coisas que não estão escritas que surgem na vibração da descoberta na emoção das experiências.

Quanta pressa extraiu-me a compreensão!

Quantos malfeitos, alheios a ti embruteceram o diálogo!

Gostaria de ser muito que não sou ainda ou jamais, e é acreditando que também tentas desnudar meus pontos obscuros que acredito em nós.

Gostaria de te expor tudo que não sei...

quem sabe descobres?

Vou te revelar o mistério do conhecimento:

a cada ponto que se ilumina,

aparecem mil outros obscuros.

Traços _ _ _


Por trás dos olhos

Explode a inquietude adormecida.

Implode sentidos e me exponho

neste ardente e apaixonado ritmo.

Construindo horas a fio, desafiando as palavras

buscando outra face, a forma.

Desfazendo o cansaço que o corpo causou.

É preciso emergir, surgir, aflorar o amor de amar.

Correr o risco de chegar, correr o risco de brincar,

correr o risco de entregar...

Ainda explode, em cores.

Continua... e descortino a nudez,

para chegar a paz outra vez.

Paz... mas continuam as bombas,

salpicando-me o corpo.

Explode a ânsia, implode o medo.

Explode angústia, implode... cedo.

Deito o corpo devassado na relva molhada

e espero... pálpebras trêmulas,

lábios ébrios, mãos entregues...

Bebo o doce amargo de ousar lutar

ousar expor, ousar dispor, ousar amar.


Contos vívidos

Quando eu cheguei na rua escura, senti tanto medo

- meu segredo de infância - quis voltar a ser criança.

Meus vinte anos, meus cabelos brancos,

mais dois anos de encanto, no entanto eu cresci.

O conto fez-se canto em mim.

Tanta vida que vivi. Tanto conto que escutei.

Tanta dor que já chorei, mas não sei por que,

alegria eu não guardei.

Quando o sol da manhã aparecer,

na minha vida tão vivida, revestida de luar,

o canto dormirá em mim.

Tanto amor eu deixarei. Tanta vida que tentei.

Tanta coisa que plantei, eu deixarei, mas viverei em paz!...



SONATA GOTEJADA

Quem sorri sobre meu leito, espeta meu corpo desfeito,

fina faca que marca!

Sob o lamento, uma sonata solfejada no ritmo do sangue, gota-a-gota, para transfundir meu ser, meu segredo e saber. Sob a luz tênue e pálida, invade-me a condição de contemplar...

Encontro sua face irradiante, escondendo a cada instante

a vergonha de não ser estrela.

Quem de meu peito acolhe gota-a-gota, o meu sangue, meus erros e incerto pensar, leva sementes e promessas, saudade eterna...

Céu nas trevas, Luz escondida... Foi ficção,

solo marcado por astronautas que não eram deuses.


Armazém Noturno

Meia lua metade do peito apagado,

rifado na porta do supermercado.

E sonho sempre com você, acordo sem ninguém.

É quando olho o céu e peço a Deus

- Disfarça esta farsa e vem viver! -

Meia lua, metade na noite, metade no dia.

E a saudade perdida, mas quem diria?

E sonho sempre com você, acordo sem ninguém.

É quando olho e digo a você

- Refaça esta farsa e vem viver.


A face do rosto

A paz me surge sempre através do externo. Falta-me a continuidade do encontro com a paz profunda, interna e externa. De repente são muitos rostos, poucas faces.

E muitos rostos querendo expor apenas e serem amados tão somente pela face. Se você me amar a face, desfaço-me do rosto. Mas se for preciso esconder, criarei mil outros, até você não amar a mais nenhum... porque quero que você me ame a face exposta a você e não meu rosto em exposição ao mundo.


Encontro Improvável


Ser belo assim como o pôr-do-sol ou talvez como o surgir da lua...

Você é belo, às vezes chega até ser engraçado e às vezes triste... É bom ver você caminhar, pelas estradas alegre, destemido e forte, vivo!

Queria encontrar você mais vezes. Seu sorriso me faz feliz e sua dor me faz pensar...

Por que a inconstância às vezes vem marcar?

Por que sentimos sua intensidade crua e fria e que tantas vezes leva ao nada?

Como ver você sem lembrar do mar, de suas ondas leves

que, suavemente vem beijar a areia morna e espalhar espumas, flores coloridamente brancas.

Você é assim abstrato e concreto, imensurável, eterno...

Por você me perco nas ilusões e me encontro nos sonhos constantes. Quero ver você chegar de mansinho, acariciando meu ser sonhador. Amor, você me traz paz!...


DOCE LAR

Vultos, corpos, copos vazios.

Bar doce Bar.

Mulher moída de amor.

Homem possuído de dor.

Copos…. segredos, corpos cegos, secretos.

Caminhos tão abertos e todos tão presos!

Bar doce Bar.

Luz sem sol, pôr-de-mar!

Ocaso sem acaso, apenas por um caso.

Homem doido para fazer,

Mulher louca para viver.

Mulher doida para fazer,

Homem louco para viver,

no meio do Bar.

Bar doce Lar.


Segredos

Por esta cidade que me come todo dia.

Pelo ladrão que hoje vi roubar meu coração.

Pelos elos que não bastam, pelos rumos que se perdem.

E por tudo isto que eu vou embora.

Por nesta idade só ter trevas.

Por neste caminho, só espalhar minha agonia

e só agonia para dar.

Por ser mulher comum.

Por não ter direito algum

de chorar meu desencanto.

Por ter medo e ter segredos.

É por tudo isto que vou embora.


UMA LUZ QUE NÃO BASTA

Não me basta o sol que fere e faz meu coração arder em chamas. Quero a vida assim, sem nunca ter que partir.

Sonhar meu sonho de paz, poder ver nos olhos do mar a vida brotar, meio a espuma branca em contraste ao pardo azul.

Não saberia viver só por você sol!

Não basta a sua luz, quero o corpo ardido, ferido

por amor ou dor. Beija-me os pés, água macia, sou só espera.

Veio a noite, banhou de paz o corpo, sua voz me acalmou, ela é toda você. Marinheiro de ida, marinheiro sem volta,

rosa que plantei, sou saudade em botão.

Rega meu corpo com teu sangue, teu canto,

sonho em encanto...

Encontrar-te (sonhei-me um dia para você), me fez esperança, espera, querer.

Levar o sol nas mãos e guardar seus raios,

para em vida doar. Ser flor, quando nada mais quero além do infinito bem de poder abrigar-me em teu corpo.

Traz teu olhar para me encontrar. Quero ser vida, por ser tua até um dia, talvez até quem sabe o infinito.

Deito o sonho cansado, abafado de amor,

no universo das tuas mãos, sempre...

No doce embalo, ver meu corpo afagar teus sonhos, embalar teu canto sobraçar meus erros, somente tua...



Roda de Girar Mundo

Gira mundo, gira manso a dor.

Leva pro além...

Gira e traz o bem querer para me ver.

E quando ele me vir,

gire devagar, bem de mansinho

que é para ele olhar e me levar pró seu jardim.

Gira mundo gira e gira bem depressa.

Gira, que pró amor chegar sem pressa de voltar .

Gira mundo gira, ira logo sem parar,

que é pra acabar com a dor.

Sem parar, sem pensar no que as pessoas vão falar.

Leva o ar mal respirado da minha alma para chegar ao fim. Me leva pra acabar com esta agonia.

Gira mundo, gira.

Canto da terra

Fico longe do sertão

mas quando bate esta saudade,

dá vontade de voltar.

E ver que o tempo passou lá no sertão,

vaca magra morreu,

boi não engorda não.

Fico longe do sertão

mas tão mais perto do cabra-da-peste

que me tem amor, que me faz calor.

Fico longe do sertão

mas quando bate esta saudade

dá vontade de voltar...

Mas pra quê?

Prefiro ficar perto,

longe de tanta dor.

Fico longe do sertão

mas quando bate esta saudade,

dá vontade de voltar e ver

que o tempo ficou lá no sertão.

O tempo bom, ficou lá no sertão.

O tempo seco, o tempo de carne seca.

Ficou lá no sertão

O tempo de jangadeiro...

hoje nado em dinheiro

(é do patrão).

O tempo de «grande banzé»

aqui só ando a pé.

O tempo bom, ficou lá no sertão.


AMANHECER

O amanhã momento a momento aproxima-se.

O sol já se esvai em raios dourados.

Num repente a noite, bêbada, acordou.

Levantou-se num sôfrego impulso

para minutos depois, cair em lágrimas.

Molhou meu rosto, ainda aquecido,

cortou meu corpo já esquecido,

que gotejou o orvalho quente.

Chorou... tanto!

A madrugada, filha da noite,

nasceu lenta e límpida,

sem máscaras e sem marcas.

Encontrou-me vã, esperando o amanhã.

Seus raios em prata despertaram-me.

Muito breve o ouro apagaria seus rastros.

Sentei-me à beira do deserto.

lentamente fechei os olhos,

bebi o ébrio perfume do alvorecer.

Minhas mãos tocaram o vento calmo,

inalei o hálito quente da aurora.

E vi, segundo a segundo

o céu abrir-se em fogo.



POEMA DO HOMEM MORTO

Não sinto a morte

Não sinto o frio.

Vejo o mundo com olhos.

Corro com o tempo

mas não envelheço.

Não existe natureza

meu corpo é inerte.

Vivo à óleo, rio da sorte.

Não sinto o vazio,

minhas mãos são frias,

nem calor sinto.

Vejo a flor nascer

vejo o amor morrer.

Quero morrer.

nem um Deus eu tenho,

nunca escolho o mundo.

Semeio o vento,

lar também não tenho.

Vivo nas mãos latentes

que me trouxeram à vida.



Primeiro Amor

Houve uma vez um amor.

Um homem e vi nele a alegria.

Uma mulher, que era a tristeza.

Houve outros...

alguns pela metade,

outros só a metade.

Houve uma vez um amor.

E porque fomos assim,

tão desencontrados e tão amantes,

tão semelhantes e tão distantes?

Sempre haverá um amor,

aquele que está para chegar ou voltar.



PARA ERICK E TATIANA

Gira, roda, brinca até cansar.

E venha me beijar logo que acordar.

Pula, joga, corre atrás da bola.

E venha me beijar logo que chegar.

Ando, vivo, corro atrás do tempo,

pra ter sempre tempo,

muito tempo pra beijar vocês dois.

Dois tempos da minha vida.

Gira, dança, seja bem criança

e cresça devagar para logo ser mulher.

Corre, luta, seja bem moleque

e cresça devagar que homem vai ficar.



SILÊNCIO

E a gente se cala e a palavra não sai.

Vem a vontade de gritar e o grito soa mudo.

Corro atrás do eco, sol errante das paredes do infinito.

Sinto o vento e no vento o ar cortante,

a dor, um gosto amargo de vida.

E a gente se cala, a palavra massacra

a mente que registra e acusa o silêncio,

mas ele não mente, é apenas descrente.

E a gente se cala, e o silêncio amarga.

O grito pendente acaba com o templo,

corrói a semente-vida.

E a gente se cala e chega ao fim.

Tudo vê e em nada crê.


É de graça!

Pede-se um pouco de uca

querem fundir sua cuca.

Quebra-se um tabu

que acaba no baú.

Dá-se uma vida

procura-Se um sol

e compra-se um amor.

Não quero introduzir-me

a distribuição é grátis

para quem conseguir sorrir.

Corre sangue nas pedras,

corre água nas veias.

Dá-se um lenço, um amigo.

Não quero ser premeditada.

quero estar ligada.

A distribuição é grátis

para quem quiser viver

É de graça, dá-se um pão,

e no meio da desgraça, como no chão.


AMIGO

Digas verdadeiramente o que és,

assim, quando o tempo passar,

posto que és tão efêmero como tal,

permutarei as lembranças,

arrumá-las-ei como num jogo,

e no final verei a ti.

Tal como num quadro,

emoldurado de cores pálidas,

meio sonho, meio verdade.

Mostra-me tua verdade

e terás tão somente a minha saudade.

E meu coração, ainda que fraco,

pulsará mais forte a cada recordação.

Dá-me tudo que puderes,

todo montante de sonhos e ilusões,

todo peso da verdadeira dor.

Assim, nas minhas horas de insônia

repousarei minha cabeça cansada

e me penetrarei no tempo,

embriagando-me da solidão feliz

porque um dia eu te encontrei.


Batata Saudade

Em cima da mesa,

tristeza e dor.

Na mesa do almoço,

ao lado do prato,

sem carinho, sem garfo,

me encontrei sem caminho.

No prato, «batata Saudade»

e mais nada.

Ao lado do copo

a garrafa vazia.

Sentada à mesa,

sem comida e bebida,

no prato, no copo da dor.

Cansei de pensar,

sinto a mente voar

vou parar e andar.

Na sala, tristeza e dor,

no prato «batata Saudade»,

no copo bebida e consolo.

Lá fora gente e verdade,

em cima da mesa

um sonho, eu.


Inquietude no meu corpo...

... minha voz é apenas um sopro

pelo campo aberto, agora tão deserto.

A tarde vem, o céu é só azul.

No meu peito comum, frases, lembranças,

um resto de esperança que não morre.

E a tarde dorme.

Vem a noite enfeitada de prata,

afagar-me em serenata.

Deito meu olhar de saudade no mar,

que não tem idade e numa verdade sem fim,

pois sei que não vive por mim.

Um sonho que a natureza aborta,

renegando sorriso e pranto,

que jaz ao encanto.

Um grito apenas rouco se lança louco,

pelo tempo que não cessa,

pede que a noite não se despeça.

Um grito que não quer morrer,

apenas correr, buscar luz

mas se perde em cruz...

Corpo ferido, sonho vencido

e essa saudade, que não tem fim!

HEMORRAGIA MENTAL

Em processo inflamatório,

meu corpo em cirrose e todo meu envoltório

em abscessos e neurose.

Trombos tantos, obliterando meus troncos.

Plaquetas trombosando meu sangue prisioneiro

capilar-a-capilar, meu sangue séptico corrói,

anestesia minha dor.

A placenta descorada, pós-aborto hemorrágico.

Embolia no meu cérebro, necrosa meu sorriso fétido.

Em vômitos enfisematosos, digo ao mundo macroscópico:

Não sou cópia, sou fruto evolutivo!

As flores pouco a pouco desfolham ...

Ficou a saudade que trouxeram

Meus pés marcam a areia

e cada passo deixa um momento.

Corre o mar, deixa na areia restos de vida,

lembranças em busca de morte.

Cansei de pensar, procuro um lugar

onde eu possa esperar o mundo cansar.

Não pergunte nada, não responda nada.

Não esconda suas mãos, não perturbe a ordem

Somos todos nós nesta agonia!

Não me conte sua vida, eu sei.

Será bem-vindo se quiser

Eu sei que sou capaz de ofertar amor,

mas se a dor vier marcar, eu tenho a paz.

Somos todos nós nesta orgia!

Quero ter meu ventre livre pra gerar teu filho.

Somos todos nós assim.

Café com leite

Tente conter a cabeça no chapéu,

tente esconder as marcas com as roupas.

Tente calar teu olhar

e disfarce a saudade no bar.

Tente, mais uma vez, falar de vez,

sem matar o amor que já se fez.

Tente abafar a fome com o sono,

tente esquecer o sonho com o «Valium».

Tente matar o sol,

para que ele não possa te acordar.


Grito

Chega! Tem flores que nascem no campo.

Tem flores que nascem, no entanto.

Chega...

Há pétalas no chão,

com hastes firmes no chão.

Chegou.

Guerreiro armado, amado,

duro e terno, eterno.

Vamos um dia aclamar o sol da Liberdade,

raiar no horizonte infante do Atlântico.


Meu caro amigo

Tua pele é negra.

Brilha ao sol cavando a terra de manhã.

Tua mão é negra, negra como a noite

O sol clareia o dia, dia e noite.

Minha pele é branca,

arde ao sol à beira-mar.

Tua mão é negra,

fecha sobre a cabeça, pede paz.

Paz sobre a cidade de dia ou de noite.

Negro corpo, abrigo do meu grito branco.

Vermelho é a vergonha do meu peito,

coração de gente preta e branca.

Em verde e amarelo, minha terra,

que não tarde a liberdade

de se ter o dia e noite em paz.

Tua pele é negra.

E o amor, que não tem cor,

se abriga em qualquer corpo.

Amo negro, amo verde,

meu irmão a minha terra

amarela, azul e branca.


FILHA

Acorda menina,

desperta para o amor.

Levanta menina,

esquece a tua dor.

Vai, esquece a idade

leva menina a tua verdade,

esquece os meus cabelos brancos.

Vai penetrar nos caminhos.

vai menina,

leva o que eu te ensinei,

eu só te criei para a vida.

Adeus menina

vive tua vida.

Adeus minha flor

vai ser de outro jardim.

Agora menina, que já partiu

eu posso chorar,

eu te fiz para mim...

Ah! Menina,

volte todo dia...

para colorir o jardim,

lembra dos meus cabelos brancos

do amor, menina.



Sem medo

Procura-se um amigo

que não tenha medo de ter medo.

Num canto qualquer de um corpo vazio,

o medo cala qualquer fala, cala qualquer dia de viver

É medo de se dar.

Um dia, antes que me aconteça a morte - Ah, sorte! -

eu quero não ter mais medo de ter medo.

O medo...

O medo é uma enorme mancha dentro do peito,

mais, muito mais que negra, mais que uma noite só,

sem luar, estrelas e sem nuvens.

Uma mancha que segue o ritmado silêncio do peito de cada ser, aumentando a cada instante, contraindo-se com o coração. O medo é um olhar obscuro, embaçado, tão seguro quanto sua própria existência.

Em cada olhar um medo! Sempre o medo de esquecer, de lembrar, de se ver o medo.

Sempre e cada vez mais medo.



ABRIGO

Chove, muito! Sinto vontade de deixar-me penetrar

pela chuva... Sinto uma saudade estranha... saudade do que ainda estou por viver. Uma saudade que alvoroça coisas esquecidas por necessidade, coisas substituídas, ainda guardadas.

Quebrar a distância das nossas mãos, quisera, por Deus,

não causar distância maior que um curto espaço de acordar.

Mas, ao despertar o olhar mais doce, buscado fundo,

só existia um espaço, um vazio e de olhos fechados,

o preenchi, o cobri de sol e de mar.

Senti a luz da lua misturada à nossa própria

e deixei, em sonho, explodir o mar.

Chove, tanto! O céu estremece e ilumina a noite.

Queria tua presença nesta casa tão sozinha de rosas, sem fala, à mingua... Queria teu braço forte a proteger-me do medo do trovão. Tua quietude cheia de sentidos de tantas frases, tua boca doce, entreaberta, sem sede e sem fome, convidando a se chegar mais perto e se deixar beijar, lento.

Quem sabe qualquer dia - que não tarde –

venha de visita, de luz... venha.



EU PRISIONEIRA DA LIBERDADE

Num repente me fiz prisioneira...

Eu, eu que tanto gritei por liberdade!

E me angustia a prisão, tenho vontade de voar!

Tanto busquei a morte, por quê? Por que não pensei antes na prisão e na morte, antes de escolher o caminho?

Passei a gostar das minhas mãos porque vi brotar nelas a vida, me vi capaz, tive nas mãos a própria vida e agora... e agora? O que tenho nas mãos? Restos... morte… morte!

E vem a vontade de mudar, sair, buscar... este antigo desejo! Mas, o quê? E sinto um medo enorme de não me encontrar nunca... e por mais que caminhe, nunca chegue!

Então decido ficar, enfrentar este caminho.

Covardia? Não, cansaço!

Cansei desta insatisfação que aperta razão e me deixa perdida. Tenho que seguir algum caminho para encontrar um, para não me tornar vã, para não ouvir nunca mais aquela voz afiada a me dizer perdida, sem objetivos, que um dia entrega dócil e outro cobra e cobra, como se não bastasse ver-me feliz. Voz que se soma a outras e muitas... todas que desconhecem minha felicidade: ter dúvidas, muitas e sempre e cada vez mais insatisfeita, caminhando o caminho, buscando.

CORES DE MAIO

O que fala na gente.

O que a gente não sente, no peito enganado.

Dor pra se ter todo dia, comida pra se fazer toda hora.

O que se tem pelas ruas?

Um olhar, a mão em canção,

pra dizer a verdade e calar a saudade.

O que se tem nos segredos? É tanto medo!

O que se tem na cabeça? É tanta dor!

Tanta cor, tanta coisa abafada, tanto amor reprimido.

O que tem esta gente prostrada,

que não deixa seu grito cantar?

Será obrigado calar? Será obrigado (proibido) amar?

Será proibido gritar?


COPO VAZIO

Meia-noite, a casa dorme, lá fora chove.

Tudo é sonho! Não parece, permanece tudo claro.

Pela vidraça, espelho, cigarro e desgraça

e a cachaça desce, meu sorriso cresce.

Na cabeça tudo é colorido, tudo é sem sentido.

Meu corpo? Vazio... tudo evadiu no meu canto atroz.

Tão veloz pela cidade, mente a verdade.

Por só ter saudade de um pôr-do-sol,

por agora tão incomum, dei de sonhar um sol comum.


ESPAÇO


Se você quiser a paz,

eu posso comunicar ao espaço sideral.

Se você quiser meu coração,

numa seção especial e se eu puder lhe dar

prometo comunicar num comercial,

ou classificados do jornal.

Mas se você, tão cansado para ler,

quiser saber, sem erro,

vou interrogar meu coração

e arquivar o meu perdão.

De qualquer modo,

vou ser capaz de encontrar a paz,

e comunicar que sou feliz.


COM QUEM ESBARRO

Nunca esperei por um barco qualquer.

mas neste mar me cansei e não cantei sequer

Você passou, foi um vento mais forte

e só, sozinha me deixou.

não foi morte, quem sabe, sorte?

Amigo, parte querido.

Mas, me deixa com asas

para que eu possa voar...



1970

Há sol no meio da chuva, reforma a luz em cores!

Negro dia de branca luva, que reconstrói a vida em dores.

Soldado iludido, parido, perdido e domado.

Serve à pátria! Mata os seus, expulsa os párias.

Esquece a liberdade, por Deus!

Há sol no meio da chuva, deforma a lei imposta!

Vai povo, desfarda, des-luva!

Recupera o amor, explode a porta.

Soldado desiludido, renascido, consciente e descrente.

Serve à pátria!

Ama os seus, recolhe com carinho os párias.

Saúda a liberdade, por Deus!

Há sol no meio da chuva,

é o grito sofrido de quem luta.

Há esperança no seio da rua

e flores fortes após a chuva.




RÉGUA

Não se mede o amor.

Não se mede a dor

de quem amou,

de quem chorou demais.

Sinta o que quiser sentir,

ame qualquer jeito de amar

Brinque com minha boca,

fale o que quiser falar.

Sinta qualquer jeito de beijar teu corpo.

Sofra o que quiser sofrer.

Ame qualquer choro,

ria com meu riso

Viva o que quiser viver,

mas sinta qualquer jeito de viver.

Chore o que quiser chorar.

Esqueça qualquer modo de sofrer.

Viva pra viver

e seja já o que Deus quiser!



JÚLIA


Olhar triste... cheio de infância,

verde, bonito... doce e tão perdido!

Corpo adulto abrigando vida.

Êta vida difícil de viver!

Seguro a mão impulsiva,

êta vergonha de ceder!

Acorda! Gente é bicho de se amar e acarinhar.

Mas existem razões, atos e medos.

E se fossem os vermelhos olhos

de um branco (coelhinho), os tristes?

Seria mais fácil chegar a mão.

Mas é gente! E de gente, a gente tem medo.

Mas apesar da chuva, do céu cinza,

da roupa negra, do medo,

vou ajudar você, amiga!



LUA ESTRELA

Brilho reflexo do sol da manhã.

É negra como a noite que clareia.

Ambas, noite e lua, lua e noite,

envoltas pela comum incapacidade,

São e esperam livres pelo sol.

E vai o sol, cede luz à lua, faz-se noite clara

Cede sem medo. E aprendo, vendo o sol

sem medo, cedendo luz à lua para que ela,

distante, no meio da noite, brilhe.

Sem desejos de ter mais que o brilho reflexo do sol.

Brilha independente, alcança êxtase!

Delírio no palco das noites claras. livre... é estrela.


Adeus! É um fato.

Despedir-se é um ato acontecendo pelos dias...

POR UM SEGUNDO

POESIA... PURA

Falo de poesia e ousadia

escuto uma vadia melodia

que me arrebata a fantasia...

Por que tão pobre esta rima?

Talvez pelo sangue...

Talvez pela ferida,

Ou pelas farsas e faces imortais ... Ou imorais?

Falo sem pressa,

com a vida de quem esqueceu da morte.

Escrever liberta-me de todas as traças, todas as farsas,

em busca da forma refugiada na certeza do é.


METADE FANTASIA

METADE OUSADIA...

SOU EMOÇÃO...

APAIXONO-ME COM FACILIDADE,

AMO COM INTENSIDADE

E SÓ ABANDONO COM DIFICULDADE

SOU RAZÄO...

FACILITO A PAIXÃO

INTENSIFICO O AMOR

E DIFICULTO O ABANDONO



MOMENTO

Sempre há um momento no silêncio,

para só se escutar o pensamento.

Esta voz mergulhada no fascínio de um ponto,

entre a luz e a escuridão,

entre a emoção e a razão.

ECOSECOSECOSECOS

A força do poder oprime as ideias... que persistem,

negando-se ao aconchego da poltrona macia.

E cada palavra desnuda as máscaras destas bocas

que sorriem por conveniência,

onde o riso perde o brilho de ser natural por ser sorriso.

Então grito!!!!!!

Grito porque é a forma que a revolta escorrega pela boca.

É a energia das ideias que me fazem acreditar

na possibilidade de não ser mais necessário

o poder para realizar sonhos.


NESTAS RUAS NUAS

Há uma mágica incandescente nestas

ruas nuas, que dança na memória do sonho.

As memórias são rios esquecidos, que continuam...

fluidos exclusos do paraíso para encontrarem o mar.

As ruas estão nuas de sonhos

e sonho com elas transbordantes de pés

e ombros que esbarram com bocas quietas.

Como posso desvencilhar-me desta orgia endógena,

de células saltitantes e músculos bêbados,

distorcendo os ângulos dos lábios, que não se encontram?

Eu sonho lutas e vivo tempestades

para iluminar a solidão humana,

e esconder amor nas humanidades áridas.


RUMOS

São ruas novas que cheiram a poeira nuclear.

São novas vias cósmicas que já não precisam de cuidados...

Não existem carros!

Cuido destes nomes incrustados nas pedras,

chorando a saudade que nunca irá findar.

Não preciso de lembranças para sobreviver,

Já que todas são ruídos ensurdecedores

que destroçam em mim o aconchego por sobreviver.


Porque é preciso simplicidade..

SÃO DIAS E NOITES..

ME DEVORA A FOME..

QUE ME DEVOLVE INSENSATEZ

DE ADORMECER COM O SOL

E ACORDAR DEBRUÇADA NA NOITE.

ME DEVOLVE O HÁBITO

DE DEVORAR O HÁLITO,

MASCAR O TEMPO

DE INVENTAR A LUZ.

ME ADORMECE A MÁGOA

BÊBADA, PARCEIRA DA SAUDADE,

DO AVESSO DO REGRESSO.

AMANTE DA LOUCA LUCIDEZ.

ME ACORDA A MADRUGADA

NO ÊXTASE DE CONTEMPLAR,

A BREVE ESPUMA COBRIR

AS CONCHAS LIVRES A BEIRA-MAR...


SEXTA-FEIRA

PORQUE É QUASE SÁBADO,

BASTAM A ÁGUA VIVA E A FUMAÇA ALEGRE,

E VOU POR AÍ

DESFAZENDO AS TRAPAÇAS

DESNUDANDO AS ENTRANHAS

DISFARÇANDO A REAL MARAVILHA,

VIDA! MINHA VIDA...

E O VULCÃO SE AGITA, DESPERTA,

TRANSA O SONHO, MISTURA ANO NOVO

COM ROCK, ROMÂNTICO.

AQUECE OS PÉS DESCALCOS.

BASTA A PALAVRA, QUALQUER PALAVRA

COMO UMA ESTRADA QUALQUER

COMO UM AVENTUREIRO

OU UM PRÍNCIPE ENCANTADO.

DOIS COMUNS

QUALQUER POESIA

QUALQUER FANTASIA

DOIS COMUNS, ALGUNS.

QUALQUER SORRISO

SÓ UM PRECISO ABRAÇO

NEM PEITO DE AÇO.

UM CORPO PEQUENO,

UM COPO COBERTO,

UMA BOCA ABERTA.

DESCER POR AÍ

POR O PÉ NO MUNDO E IR

SABER QUALQUER PONTA

QUALQUER PONTO

TALVEZ UM PORTO TORTO

QUALQUER...

QUALQUER POESIA

POR UM DIA

POR SANGRIA

OU WODKA.

POR UM SEGUNDO

POR UM DUENDE

PELO RISO OU GRITO.


NóS

A maior distância entre a lua e o sol é o teu olhar.

A lua veio em mansidão, envolta em névoa e só.

Aos poucos percorreu nossos sonhos,

desfez-se das nuvens e aconchegou-se as estrelas.

A luz suave tocou tua face, cheirando à madrugada...

foi a primeira vez que vi meus olhos.

Até que um claro despertar, amarelou nossos corpos

e como se não fosse assim todos os dias,

veio unir nossos olhos e adormecer nossos sentidos.

Quero a ausência do que você é e de tudo que sou.

Apenas o brilho do sol, o florescer dos campos,

as estrelas e rosas sem espinhos.

E dos momentos, só os belos.


SAUDADE ...

O SONHO E A REALIDADE,

EMBRIAGADOS DE NOITE,

PASSEIAM...

BEBENDO A ÁGUA DA CHUVA.

GRITO SEU NOME EM SILÊNCIO

ATÉ DOER O PEITO..

A princesa adormecida

Teu grito é belo!

Tem a cor dos teus olhos,

a firmeza do traçado dos teus lábios

e a delicadeza dos teus gestos.

É prisioneiro da tua liberdade.

Quanta coragem nos teus atos!

E atrás do sonho, tanto medo!

Teu medo é tua força...

Mas, é tua coragem que te fará livre

para sentir o prazer de ser toda.

E que sem o medo, a força não desapareça.


NÃO!

A falta do que preciso é asfixiante!

É perigoso porque posso desistir de precisar,

que seria como desistir de viver..

mas posso desistir de precisar.

O que falta vem se prolongando,

se arrastando... me exaurindo.

É excitante porque o que preciso

me falta tanto que exige um preparo, dedicação,

horas de sono e insones... e o entusiasmo

vai se metamorfoseando em dor... e não

quero falar da dor que dói a falta do que

não preciso, digo, preciso...

é esta a exata falta que preciso: dizer não.

ESCRITO A DUAS MÃOS..

CAMINHO NESTA ESCURIDÃO BRANDA

E O SILÊNCIO ACORDA TODOS SENTIDOS ...

DA PAIXÃO EM CORDILHEIRA

E DISTANTES VAGALUMES ARDENTES,

ILUMINANDO AS MARGENS DA SOLIDÃO.

A SAUDADE E O SABOR DA TUA LEMBRANÇA,

ESTREMECE AS ENTRANHAS DO DESEJO.

QUE O CAMINHO FIQUE CLARO QUANDO VIR TEUS OLHOS.


SOMBRAS

Busco uma cena inédita num cenário antigo.

Para que as frases não se tornem

velhos papeis nas paredes da vida.

E a alma aprendiz se abriga no fogo da esperança.

Espero as latas reciclarem para preservar a lucidez.

Transformar as mensagens do cérebro, que ainda não aprendeu a ouvir,

codificar novas normas para impedir que a loucura aconteça.

Percebo as vozes e finjo a surdez dos insensatos,

para me refazer das perdas,

para que eu possa descansar as ideias,

antes que os ideais se percam.

Viajo com a luz na busca de alimento para almas desesperadas,

que se alimentam de emoções e que, as vezes, tem fome de pão.


UM DIA...

VOU ENTREGAR TEUS OLHOS

PRO MAR TRANSFORMAR EM LUZ AS AGUAS ESCURAS DOS BECOS

E OS SONHOS ACESOS QUE PERAMBULAM PELAS RUAS VADIAS DA NOITE.

VOU PEDIR PARA NÃO FAZER AMORES NEM DORES,

SÓ SORRISOS IGUAIS AOS TEUS.

ÊXTASE


Viajo num tempo em busca de descobertas.

Descubro imagens cobertas

de medo com chocolate.

Fatos desaceleram os sonhos,

e eu não gosto das câmeras, as lentas.

A fome...

Não gosto dos bons modos,

comportamentos,

sorrisos,

caminhos.

Acorrento as mãos dos opressores,

e eles oprimem com os bons olhos,

passos,

conselhos.

Projetos estufas para as dores derreterem,

e elas inundam as ruas...

Redescubro essências alegres

prisioneiras dos frascos, liberto-as...

Mas os líquidos alegres,

se tornam vapores irritantes.

Viajo para dividir as cores do arco-íris,

para duvidar da dadiva

e desenhar letras absurdas.



FRAGMENTOS

Nenhum abandono desfaz... alimenta. A decisão de ir revoga a de ficar e, cada partida acende uma sensação de liberdade mais ou menos evidente, sempre mesclada.

Em essência, essa liberdade é efêmera em sua nudez. Se a cada ano sente-se o calor, o frio, o outono, a possibilidade de sentir tanto quanto vivemos a metamorfose do nada. A impossibilidade de uma proporção equivalente entre as emoções e os fragmentos justifica ser o amor um contingente desmedido.

O abandono, o ciclo, emoções... um momento passado… Evidente por agora é a proximidade de uma realidade que preferi disfarçar de sonho. A quietude é, as vezes necessária, alinhavando a solidão voluntária, que insiste em cultuar

a essência...

São momentos em que a vida parece um enorme tapete de meias esferas, diminutas redomas negras que escondem o que ainda não sei. Agora o tapete fica assim, meio exposto, cheio de acontecências já descobertas. Ficam estas alegrias sobrevoando os circuitos, como já quase não se via, são fantasmas só pela abstração.


TEM UM ROSTO MAGRO NO JORNAL!

SEU CORPO PERAMBULA PELAS RUAS SEM ABRIGO

E SEM AMOR, NENHUM AMOR, NENHUM CARINHO.

SÓ UM OLHAR SOMBRIO... É A SOBRA DA VIDAI

SÃO HOMENS E MULHERES MAGROS NOS JORNAIS.

PORQUE FORAM DESPEJADOS, DESPEDIDOS, ALIJADOS.

PESSOAS MAGRAS COM A ALMA ALEIJADA PELO VIRUS DA MORAL.

ELES TINHAM NOMES, FORAM PAIS, MÃES, AMIGOS, FILHOS, NETOS...

AGORA ELES TEM AIDS...

UMA LEGIÃO DE ANÔMIMOS ESFOMEADOS...

FOME DE TUDO!

ENTÃO UNS GRITAM "PELA VIDA", "VIVA CAZUZA"!

OUTROS GRITAM "FORA", "AQUI NÃO PODE MAIS"!

E MUITOS... MUITOS SILENCIAM. MUDAM DE CALÇADA, EVITAM OLHAR.

COMO DORMIR COM ESTE SILÊNCIO GRITANDO AOS OUVIDOS?

Al DeuS!

RIOS

Estou sem palavras, sem versos, sem rima…..

Fico inventando um jogo de buscar um fluxo linguístico,

onde as vogais adormecem, os pontos trocam de lugar

e as consoantes permanecem sóbrias.

Brinco de buscar palavras e elas se escondem

atrás de emoções imperceptíveis.

Evoco a racionalidade para me defender da evasão das letras…

… um sistema binário ou geometria?

É necessária uma luz! Uma luz para iluminar a ideia,

porque pelo menos a ideia, está presente

embora não saiba exatamente onde...

E rio porque se devaneios não são ricos, são rios!...


Porque é preciso simplicidade.


Sonho uma chuva que inunde o mundo de alegria das coisas simples... que as pernas apressadas caminhem e dancem no abandono do desejo. Porque sei que se beber do copo da consciência, me embriagar de lucidez e adormecer em paz, vou acordar livre e debruçada na cidade dos homens que sorriem por alegria e são capazes de saciar a fome de ousar o desconhecido.



São dias e noites …


ME DEVORA A FOME.

QUE ME DEVOLVE INSENSATEZ

DE ADORMECER COM O SOL

E ACORDAR DEBRUÇADA NA NOITE.

ME DEVOLVE O HÁBITO

DE DEVORAR O HÁLITO,

MASCAR O TEMPO

DE INVENTAR A LUZ.

ME ADORMECE A MÁGOA

BÊBADA PARCEIRA DA SAUDADE

DO AVESSO DO REGRESSO,

AMANTE DA LOUCA LUCIDEZ.

ME ACORDA A MADRUGADA

NO ÊXTASE DE CONTEMPLAR,

A BREVE ESPUMA COBRIR

AS CONCHAS LIVRES A BEIRA-MAR.




FRAGMENTOS

Nenhum abandono desfaz... alimenta. A decisão de ir revoga a de ficar e, cada partida acende uma sensação de liberdade mais ou menos evidente, sempre mesclada. Em essência, essa liberdade é efêmera em sua nudez. Se a cada ano sente-se o calor, o frio o outono e o amarelar dos ipês, os momentos não reincidem.

Ficam amontoados, tanto que as vezes se dispersam na memória ou se amotinam e inundam o presente. Portanto, não há uma ordem fiel ou elos obrigatórios. O passado parece um vasilhame cerebroide, sempre repleto de peças de um quebra-cabeças, onde é permitido até que peças desencontradas se aliem, numa verdade ocasional ou oportunista.

São fragmentos, são abandonos, beijos, brigas papeis, tudo, todos os atos e pensamentos executados.

Por vezes os momentos se parecem... é a emoção que se repete. É a ausência da possibilidade de sentir tanto quanto vivemos a metamorfose do nada. A impossibilidade de uma proporção equivalente entre as emoções e os fragmentos justifica ser o amor um contingente desmedido.

O abandono, o ciclo, emoções... um momento passado… Evidente por agora é a proximidade de uma realidade que preferi disfarçar de sonho.

A quietude é, as vezes necessária, alinhavando a solidão voluntária, que insiste em cultuar a essência... São momentos em que a vida parece um enorme tapete de meias esferas, diminutas redomas negras que escondem o que ainda não sei. Agora o tapete fica assim, meio exposto, cheio de acontecências já descobertas. Ficam estas alegrias sobrevoando os circuitos, como já quase não se via, são fantasmas só pela abstração e, todas estas indecentes - são ilimitadas- alegrias anônimas perfundem o corpo que quase esqueceu de respirar. Abraçam lágrimas e devaneios incabíveis e, como chuva de verão, inundam as entranhas mais ocultas. E toda a carne é festa.. neurônios dançam roca, os músculos jaza, hemácias saltitam, quase atrapalhando o fluxo desvairado.. Como é intensa esta sensação humana - que pode ser até débil - de imaginar um neurônio puna! É uma orgia desconcertante para estes lábios tão destreinados, refugiados na retidão da seriedade, inocentes desconhecido do simples abandono de ser sorriso... São noites que escorrem nos ponteiros do relógio… cheiram a suor e a hálito de amor. Não quero sonhar mais do que por uma noite, não espero viver mais que a vida que couber em mim ou amar além de 1000 batimentos por minuto - uma inexata taquicardia dos imorríveis.

Não quero sofrer mais que o necessário ou rir sem motivos - exercício das máscaras. Que o riso tenha a total abertura da boca, que a dor não incomode antigas cicatrizes, que o amor não mate ou a vida suicide-se, nem

O sonho acorde… que toda entrega seja bela e toda busca, fera.





VOZES AFINS

Queria caber dentro das minhas emoções, mas elas me invadem e deslocam a razão. Gosto das dores com todas as nuanças do negro...

Viver as euforias como se elas fossem apenas sentimentos efêmeros transformaria este estado harmônico em uma só nota. Encontrar vozes afins ... seria banal se não fosse carnal. Viver todas as minhas emoções e todas as minhas razões ... Deixar calar é tão importante quanto deixar falar! E todos os verborreicos que se unam e se desunam e se misturem ... para que afinal alguém possa ouvir.

Quero voar nestas areias gélidas das noites de inverno à beira-mar. Contar as estrelas como se fossem notas, as verdes... ou contas ou então contos. Assim eu poderia namorar pela eternidade, sem ter medo. Algo me faz debruçar na janela do mundo e olhar. E se não envio hoje mesmo todas as rosas brancas é por pura convicção que elas emocionam, mas não podem tocar a pele por mim.

Desfaço este canal ébrio porque ele acaba assim, sem avisar e sem disfarçar.


MÁSCARAS

Os grandes morreram miseráveis e os miseráveis, grandes. Porque o encontro da virtude se arrasta pelas entranhas e desnuda caminhos que não posso conhecer? Nada agora desfruta daquela imagem polida no sossego d'alma.

Sonho apressado no beco da incoerência, acossado pelas lembranças do que não foi e que vejo nos murros desabrigados pela paixão de fortalecer as almas sedentas de pão. Não sofro pela inquietude atravessada em nó. Sofro porque meu corpo acolhe as vozes, os gritos da madrugada e tudo, no meio do orvalho se transforma em desalento.

Quanto mais caminho mais longe me sinto da luz.

Quimeras são estas? Quais? Quantas verdes plantações ousei

arrebentar para que o pobre não sofresse com os chicotes de folhas...

Por nada que me defronto, parece um rosto sem culpa…são soldados abastados, barbados de cobiça e medo da ordem.

É uma nova ordem avassaladora porque nunca sonho com mariposas

e aparentemente nada faz sentido quando minha voz embarga e as embarcações estão no porto e nada há senão mar e sol.

Eu grito verdades claras como o sol... não entendo por que as vezes eu me sinto como um louco no meio do deserto, que febrilmente delira e encontra o oásis. Não há insanidade, alienação, demência, imprudência nem insensatez... só as dores que me doem e não consigo estar pronta para tocar nenhum destes rostos que me reclamam...

Como tudo se disfarça sob uma veste, atrás de um batom ou de um terno! Eu tento a lógica, mas ela não parecer ser apanágio de uma geração que sofreu a letargia da omissão. O pensamento é um tempo redescoberto para a observação, só se consegue ver quando se sabe o que existe no lugar para onde se olha.

Eu tento a razão para me poupar da dor, mas o sol ofusca minha razão e ela se perde na paixão de buscar a verdade. Nunca me canso de estar lúcida nestas noites vazias e solitárias… é a única forma que sei. A consciência me atormenta e a lucidez me devora e me sinto um tolo percorrendo os bares em busca de alegria, mas não existe álcool para fazer esquecer nem lojas que vedam alegrias. Queria esquecer todo o orgasmo corporal para que a paixão se fosse de vez, mas... o que outrora acreditava ser a letargia dos bêbados abandonados, hoje não sei o que faz este fluxo explodir nas minhas mãos... Queria me convencer que sou um gênio incompreendido… Os grandes marginais, a escória reunida! Todas as noites e as vezes durante o dia, ouço os tiros... eles vêm do morro onde eu não moro…só observo o desenho incompreendido de sua arquitetura, pedra sobre pedra.

PELA VIDA

O DIA DERRAMA AS ÁGUAS INOCENTES

E VIOLENTAM A TERRA DESIDRATADA

OS GRITOS NO MEIO DO RIO,

QUE ERAM RUAS, SÃO PELA VIDA.

TIRAR DO SIM O NÃO

PARA SOBREVIVER DA VIOLÊNCIA

QUE A PALAVRA SEJA ÚNICA

MESMO QUE MOMENTÂNEA,

PARA QUE OS DESEJOS NÃO SEJAM

ENGOLIDOS.

AS EMOÇÕES INDUSTRIALIZADAS

E OS PRAZERES PREVISTOS,


FOLHAS

SABOREIO O TOOUE DAS FOLHAS, ALVOROCADAS E VERDES.

ASSIM. CORRENDO, PASSA O VENTO QUE INVENTO

PARA VER AS FOLHAS ORDENADAS,

NUMA DANÇA LÚCIDA E SEM RESISTÊNCIA,..

RODOPIAM, ASSOBIAM, ALGUMAS CAEM.

É O SALDO DEVEDOR DA NOITE ANTECIPADA.

MAS ELAS AMARELAM...

E SÃO TÃO FELIZES AGORA!

INVENTO A MAIOR REDOMA

E ELAS INSISTEM EM MORRER.

É UMA NATUREZA MORTA!

E OLHO COM FOME SACIADA

E SORRISO DE GOZO...


APRENDENDO DO AMOR COM O AMOR

SERÁ PRECISO APRENDER A VER A REALIDADE

ATRAVÉS DOS OLHOS DE QUEM SE AMA.

SÓ ENTÃO COMEÇAREMOS A COMPREENDER

E A ACEITAR TUDO QUE O AMOR IMPOE.

SERÁ PRECISO SONHAR JUNTOS,

AINDA QUE EM SONHOS SEPARADOS.

BUSCAR OLHAR OS OLHOS A TODO MOMENTO,

PARA QUE OS SENTIDOS SE DEGLADIEM

OS SENTIMENTOS SE ASSUSTEM

E AS PALAVRAS SE TORNEM DOCES ‘EU TE AMO'!


Novembro de 1996

Letras fáceis

Letras frágeis

Letras fortes

Letras azuis

Letras verdes

Letras vãs

Letras solitárias

Letras abandonadas

Letras acompanhadas

Letras negras

Letras de aniversário

Letras de madeira

Letras de chocolate

Letras de batata frita

Letras deitadas

Letras belas

Letras analfabetas

Letras partidas

Letras vermelhas como batom

Letras de ouro

Letras de marfim

Letras de outros

Letras enfim...

todas pra eu sentir.


No inverno de 1990

Sinto saudade ...

forma perfumada de sons,

penetrando as vias eriçadas

do corpo fácil, por te amar.

Há uma impossibilidade

aprisionada pela realidade,

que transforma a dor em saudade,

desfaz o desespero

ou a dor de doer por falta,

uma falta materializada

pela memória ...

Ainda que amar assim, às vezes,

parece ser como não ter memória,

porque cada encontro, parece o primeiro.


Para que eu possa sobreviver!

O DIA DERRAMA AS ÁGUAS INOCENTES

E VIOLENTAM A TERRA DESIDRATADA!

OS GRITOS NO MEIO DO RIO,

QUE ERAM RUAS, SÃO PELA VIDA!

QUERO TIRAR DO SIM O NÃO

MATERIALIZAR O DESEJO DE PAZ.

ROLAR O OLHAR NO VERDE...

SER TESTEMUNHA...

PARA SOBREVIVER DA VIOLENCIA

PARA QUE A PALAVRA SEJA UNICA

MESMO QUE MOMENTÄNEA

PARA QUE OS DESEJOS NAO SEJAM ENGOLIDOS

AS EMOÇÕES INDUSTRIALIZADAS

E OS PRAZERES PREVISTOS.


Rugas...

Passo os dias a ordenar fatos e eles se desencontram das emoções.

Desfaço laços ainda que desejando que fossem nos ...

mas o tempo é o grande espelho dos sentimentos.

Desafio as leis porque quero o paraíso. As rugas aparecem nas mãos,

embora as vias da emoção me pareçam ainda mais jovens, talvez porque a

maturidade tenha me trazido os rituais..



FOLHAS

SABOREIO O TOQUE DAS FOLHAS

ALVOROÇADAS E VERDES.

ASSIM, CORRENDO,

PASSA O VENTO QUE INVENTO

PARA VER AS FOLHAS ORDENADAS,

NUMA DANÇA LÚCIDA E SEM RESISTÊNCIA

RODOPIAM, ASSOBIAM, ALGUMAS CAEM...

É O SALDO DEVEDOR DA NOITE ANTECIPADA.

MAS ELAS AMARELAM...

E SÃO TAO FELIZES AGORA!

INVENTO A MAIOR REDOMA

E ELAS INSISTEM EM MORRER.

E UMA NATUREZA MORTA!

E OLHO COM FOME SACIADA

E SORRISO DE GOZO...


SAUDADE

Seus olhos escondidos no negro,

são verdes como os olhos do amor.

Seu sorriso contido no vermelho

são lábios que não esqueci.

Faço poesia com letras vadias

para que o sentido se perca

porque todo amor e belo

mas toda ausência doí.

E a saudade é um perfume,

um punhal transparente

que perfura a carne integra,

gotejando o sangue incolor.


VI O CRIMINOSO...

DO CRIME QUE NÃO ACONTECEU.

VI UM SORRISO MAIS FACIL...

MAS SÓ DEPOIS DA MORTE.

VI O CRIME DO ESPELHO.

OLHOS NOS OLHOS, MATARAM O AMOR!

FORAM VÁRIOS...

QUE APAGARAM TODO BRILHO!

FORAM OS DIAS...


APENAS O QUE OS MEUS PODEM VER!

Seus olhos têm o brilho das manhãs de verão,

a cor das folhas de outono,

a paz dos campos na primavera

e o aconchego das noites de inverno.

As vezes são frios como a neve,

secos como as folhas,

castanhos como a madeira

e ferozes como o fogo.

São olhos…. São teus!



GOSTO

Gosto do desenho da boca

que não cabe os dentes,

aqueles... do sorriso de quinta-feira!

Gosto do gosto do gozo,

de não saber onde vai dar,

de ficar triste, ficar traste

sem haste,

de catar os cacos

de encontrar comigo.

Desfazer planos, arrancar raízes,

de cismar em ficar... ainda que tarde,

ainda que não baste, que de empate.

Gosto de sentir amor que não cabe em você.



BLASÉ

É um olhar farto

Um olhar negro, sem luz

Um gesto calmo, medido, entediado

Sobre tudo e todos...

E um corpo firme,

cabelos soltos como se não fossem belos

Ou como se a beleza fosse a regra,

o comum, o tedio.

É um olhar escudo

que as vezes esquece e deixa o desejo exposto,

ainda que aborrecido.

É um olhar dispersivo, como se nada percebesse

ou como se já tivesse visto tudo

e nada fosse interessante.

Blasé .. é um jeito de ser

um jeito de querer

um jeito de parecer não desejar.


SANGRANDO

Quero gotejar palavras, deixá-las escorrer pelo papel...

Até que a dor se aquiete.

Até que o silencio seja invadido

e que não me toque.

Como espremer a ausência até que o corpo transborde

suco de uma fruta madura, doce?

Como te contar os encantos dos contos

sem contar que espero a chave destrancar a porta?

Agora as reticências não acontecem.

lodos os pontos são finais

intercalados por interrogações mudas.

Quero deixar sangrar a veia da poesia

E as palavras saem pela porta

E eu espero (que essa não volte mais)

Espero algumas e outras não mais.

Foi bastante, obstante, distante ... aconchegante… foi.


...

Elas vivem comigo.

Não sei há quanto tempo,

não sei por quanto tempo.

Abrigo e aconchego,

Sabor, devaneios e desejos.

São a expressão da dúvida,

do tempo necessário e do espaço ...

... um intervalo para a liberdade.